O mito do trabalho dos sonhos

15:01 Mâniga 0 Comments


Em entrevistas de emprego, eu costumo dizer que minha "maior qualidade" pode ser também meu "maior defeito". Meu perfeccionismo e o nível de dedicação que eu emprego às coisas que eu faço usualmente geram trabalhos bem feitos, com equipes e relações completamente desgastadas e a minha pessoa num estado de cansaço inimaginável e qualidade de vida pior ainda.

Agora vem a parte surpreendente: isso acontece independente de eu gostar ou não do que estou fazendo. Alguns podem ver isso como algo positivo, outros como negativo, eu não sei exatamente em que ponto essa característica poderia estar definida.

Essa reflexão surgiu graças a uma postagem no facebook de uma colega empreendedora. Ela trabalhava em banco, ganhava um bom dinheiro e estava bem insatisfeita com a vida dela. Comentou que dormia tarde e acordava às 8h da manhã se arrastando para o trabalho e que nem a cor do esmalte que ela usava era da preferência dela, por causa das normas da empresa. Agora, ela tem o próprio negócio e ainda dorme tarde, mas pode escolher a cor do próprio esmalte e acorda às 5h30 da manhã para se exercitar feliz da vida, porque agora tem a vida que ela queria para ela.

Ao ler isso, fiquei pensando sobre essa ideia de "se ter a vida que sonha" e, consequentemente, na minha vida profissional. Eu sei, não precisa vir com "mas você ainda é jovem, está no começo da carreira e blá, blá, blá...". Mesmo tendo uma vida economicamente ativa relativamente curta, em algum momento, eu achei que tinha o emprego dos sonhos. Eu ganhava bem, fazia algo que eu gostava de fazer, enxergava a relevância do meu trabalho, via ele sendo aplicado na prática e aprendia muito todos os dias, conheci muita gente interessante e influente, além de me divertir com os colegas de trabalho. Em compensação, minha imunidade despencou, ficava doente todo mês, vivia de hambúrguer (que era o que dava pra comer na frente do PC) e com horários de refeições completamente aleatórios - tipo às 16h e depois às 3h da manhã, dormia pouco, cheguei a virar noites trabalhando e ir trabalhar no dia seguinte sem dormir, depois ir para a faculdade, etc (claro que eu dormia todos os dias no primeiro período, assisti pouquíssimas aulas de Psicologia do Consumidor por causa disso, mas consegui não pegar nenhuma DP), nessa época, também passei a consumir cerveja com alguma frequência, porque isso me deixava menos ansiosa, engordei uns 8 quilos e perdi contato com várias pessoas próximas (como já comentei aqui). Tentei complementos alimentares e simpatias para me manter acordada fora do trabalho, mas nada adiantava muito. Hoje, fico pensando no quão insuportável eu devia ser por só falar de trabalho naquela época, não que eu não fale agora, mas tento conversar com as pessoas sobre outras coisas que não eu mesma ou as coisas que eu faço. (Isso tá parecendo aquelas narrações do quadro Desabafo do programa da Márcia Goldschmidt na Band, mas ignore isso, estou falando sério, ok?)

Agora, minha rotina é um pouco menos perturbadora, pelo menos por enquanto - já que o TCC está apertando e as eleições estão chegando. Ainda tenho problemas com horários de refeições, mas tento comer porcarias com menos frequência e, apesar de trabalhar em horários em que eu devia estar fazendo qualquer outra coisa, eu procuro dormir mais e melhor do que em 2014, que foi essa fase perturbadora, mas, pessoalmente, instrutiva, que descrevi acima.

Cheguei no ponto em que eu queria do meu tipo de trabalho. Eu faço exatamente o que queria fazer desde que comecei nesse ramo e, às vezes, parece que a coisa estagnou. Sabe quando você finalmente chega lá e não era tudo aquilo que parecia ser? Então. Provavelmente a culpa é minha, eu devia me dedicar mais, mas não vejo como me dedicar mais a algo que eu cuido como se fosse meu. Essa semana mesmo engoli um combo do Mc Donald's na frente do computador para dar tempo de conseguir suprir as demandas repentinas que surgem durante o desenrolar do trabalho (me punindo mentalmente por estar comendo mal e também por não ser mais eficiente), mesmo depois de ter terminado todo o trabalho do dia no meio do expediente para adiantar o trabalho do dia seguinte, a fim de conseguir dar conta de tudo a semana toda. Sem mencionar o trabalho extra do domingo anterior.

Isso não é uma reclamação, estou apenas comparando as situações. Minha qualidade de vida é relativamente melhor atualmente que em 2014 e, em 2014, numa situação semelhante à da minha colega empreendedora, eu levantava 5h30, no máximo às 6h da manhã, feliz da vida para ir para a academia e depois ir trabalhar do outro lado da cidade e garantir que eu não chegaria atrasada. Eu preferia chegar 30 minutos mais cedo do que dez minutos depois que o relógio marcasse 9h. E se não fosse malhar antes do trabalho, ia depois da faculdade, era a última a sair, junto com a instrutora. Hoje em dia, eu sou aquela pessoa que levanta às 8h se arrastando e desejando que o relógio esteja mentindo a hora para poder dormir mais um pouquinho. O momento de satisfação do dia é, geralmente, na faculdade, quando alguma aula é realmente produtiva. Quando não, é só mais um dia e o prazer do dia provavelmente foi o horário de almoço e o de dormir.

Do contexto perfeito, acredito que eu já tenha desistido. Assim como na vida acadêmica, no trabalho nem tudo vão ser rosas. Mas parece que as coisas nunca vão se encaixar, quando está certo aqui, está errado ali e vice-versa. Sei que não sou a única que vive esse dilema. Gostaria de poder compartilhar e desfrutar de opiniões alheias à minha realidade para poder repensar melhor o assunto. Sei que ser astronauta, bombeiro, médico pode fazer parecer que se tem a vida mais legal do mundo quando, na verdade, ficar longe da sua família (ou de qualquer ser humano, em geral), não ser reconhecido, se arriscar, etc. também são problemas que outras pessoas com outras profissões enfrentam.

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